Narrativa do Processo de Pesquisa para a criação do espetáculo
A peça estreou em 2007. Iniciamos o trabalho de pesquisa para sua criação cerca de dois anos antes.
Naturalmente, começamos pela consulta na Biblioteca do Instituto Goethe, na cidade de São Paulo. Encontramos ali o excelente livro de fotos de Helene Weigel, cobrindo sobretudo o registro de seus personagens e o seu período pessoal no Berliner Ensemble, mostrando uma Helene já em plena maturidade.
Outras fontes foram consultadas, na literatura teatral e na história da arte, e embora pudéssemos encontrar Helene nas suas personagens, bem como em informações preciosas sobre o ambiente e a história do seu tempo, pouco, muito pouco encontramos no Brasil sobre Helene Weigel. Uma espantosa ausência na história do teatro para uma atriz tão significante, que não constava de forma relevante na trajetória de criação do estilo épico, das muitas peças escritas por Brecht diretamente para ela como protagonista, (tais como a viúva Begbik, Shen-Te, Carrar, A mulher judia de Terror e Miséria no III Reich, Mãe Coragem, A Mãe na adaptação da peça homônima de Gorki, a Antígone, na de Sófocles...), e na atuação como organizadora e responsável pelo Berliner Ensemble, oficialmente, da inauguração até sua morte em 1971.
Não constava também a jovem Weigel, sua opção pela arte de representar, as relações amorosas, a paixão por Brecht, as opções políticas, a maternidade, o percurso no exílio, com Brecht, na Dinamarca, na Suécia, na Finlândia, nos Estados Unidos, durante 15 anos, até o retorno à Alemanha no final da II Guerra, para criar o Berliner. Encontramos mais facilmente no Brasil um livro sobre Ruth Berlau.
Procuramos Carminha Gongora, então à frente da atividade cultural do Instituto Goethe, solicitando outras fontes. E acabamos descobrindo que o material de que necessitávamos se encontrava na Alemanha.
Carminha apresentou-nos o escritor Willi Bolle. Willi nos apresentou ao escritor Karlheinz Barck e escreveu uma carta para ele, que residia na Alemanha, e, felizmente, falava português!
Segui para Berlim sozinha, Ariel em São Paulo, em cena, não pôde acompanhar. Nossos recursos, de qualquer maneira, nos impediam de viajar em duas pessoas pelo tempo necessário.
Em Berlim, o inesquecível Karl (o Carlo!), já falecido, me recebeu e disse: “Tenho uma surpresa pra você! Vou te apresentar para Sabine Kebir. Ela escreveu uma biografia maravilhosa sobre Helene Weigel”.
Recebi de Sabine, no original em alemão, o livro A Descida para a Fama, e mantivemos conversas importantes sobre Helene, com Karl nos ajudando.
Visitei o teatro do Berliner (cujo prédio vislumbrava do meu hotel), no qual, em Festival Brecht que então ocorria, pude assistir a representação da criação original da peça A Mãe. Conheci o teatro e a modernidade do teatro épico instalada em sua arquitetura clássica, tal como relatado por Helene.
Conheci a casa da Chausseestrasse 125, onde hoje ainda se encontra a biblioteca com as obras de Brecht, no espaço onde tinha sido o apartamento de Helene, no segundo andar. Logo após a morte de Brecht, ela o cedeu e iniciou a formação da biblioteca Brecht, reduzindo sua própria moradia a um quarto e uma cozinha. A casa da Chausseestrasse ainda expõe, no primeiro andar, a moradia de Brecht, intacta, com todos os móveis e até o jornal do dia de sua morte, em 1956.
Do lado da casa, o cemitério, onde repousam contíguos, Brecht e Helene.
Visitei Buckow, a casa de campo, que Brecht/Weigel conseguiram como apoio ao seu trabalho intenso na implantação de uma companhia de teatro aberta à discussão, à criação, a diferentes tendências, tentando manter o socialismo democrático que professavam, no teatro situado na linha de divisão das duas Berlim.
Buckow é o retrato vivo da forma de viver, da simplicidade consciente, ativa e requintada de uma Helene que amava receber pessoas e distribuir refeições saborosas, nadar no lago e temperar com um quotidiano agradável e cheio de curiosidade o trabalho incansável de formação teatral e criação artística do Berliner Ensemble.
Trouxe de tudo isso uma literatura farta, ...em alemão. O livro de Sabine foi traduzido por duas tradutoras simultâneas, por nossa iniciativa. É um livro meticuloso, veraz, e preencheu as lacunas, ofereceu esclarecimentos e demonstrou, com provas eficazes, o papel de Helene, a ousada atriz e determinada mulher que se propôs a criar com Brecht um estilo de representar adequado às suas crenças sociais, e construir, no retorno da guerra, a ilha de arte teatral Berliner Ensemble, implantada e resistente às pressões, no teatro no Schiffbauerdamm.
Munidos agora de muitos elementos, entre os quais a sincera e esclarecedora entrevista dada por Helene a Hecht em 1969, as muitas fotos e relatos de outros livros alemães, também as informações provindas do ambiente da República de Weimar, como a Bauhaus, e as provindas da atualidade, como os Check Point e os restos do Muro de Berlim...
A partir desses elementos, eu e Ariel criamos o texto de Determinadas Pessoas – Weigel, que eclodiu facilmente e tomou forma. A direção de Ariel constituiu o espetáculo num diálogo entre o artesanal teatral e o cinematográfico, em alusão à estética do Berliner. E as fotos da carroça e do figurino original de Mãe Coragem, que encontrei surpresa no puxadinho atrás da casa, em Buckow, protegidos por vitrines, vieram para a cena, iguais.
Através do espetáculo Determinadas Pessoas – Weigel tivemos a alegria de encontrar no perfil de Helene um ser humano maior do que esperávamos.
Sabine e Karl estiveram no Brasil, no Rio de Janeiro, e assistiram a peça. Foi assistida também por Jacó Guinsburg. Eles gostaram.
Esther Góes